Quase paixão
March 18, 2018
A mulher cochila, e o homem observa-lhe as costas nuas. São mais de três horas da manhã, e ele, de novo, com o dilema de tentar dormir com uma estranha em sua cama. Nunca consegue. O sofá é a opção, mas sempre amanhece dolorido quando dorme lá, por isso, o dilema. Tem ainda pouco sono. Na verdade, quer ficar observando por mais um tempo a pele clara da moça.
Paira-lhe a mão direita sobre três pintas na espádua esquerda. Tem impulso de lhe alisar a pele, mas receia que ela acorde.
A noite lhe parecera perdida. Na mesa com amigos, no bar, tentara beijá-la duas vezes. Ela virou o rosto em fala de negação, enfatizada pela mão na boca dele, a lhe silenciar vontades.
Ele estava um pouco alterado pela cerveja. Lançava-lhe as iscas das frases retiradas do samburá da paquera. Mas as frases afundavam no lago profundo da indiferença.
Até que uma frase fisgou a moça com o anzol do despertamento do interesse, emergindo-a para a clara superfície do desejo.
A moça, então, tomou-lhe o rosto com as mãos e o beijou - e suas línguas dialogaram o alongamento da noite.
Pescava as frases na aleatoriedade do desejo de conquista. Não se lembra qual trouxe essa clara pele pintada para sua cama; esses lábios, entreabertos pelo sono, tingidos apenas com traços do vermelho que os vestiam; o corpo, agora coberto pelo lençol, que ondulou e se contorceu em suas mãos.
Não há mais no quarto o calor que lhes aqueceu o sangue. Resta a quietude de roupas jogadas, a brisa da madrugada. Restam a moça e o gosto dela em sua boca.
Tem vontade de esticar o corpo ao lado do dela, envolvê-la para dormirem o mesmo sono - sente que hoje, talvez, dormisse.
Mas do sono compartilhado nasce o despertar juntos…
Levanta-se, pega um travesseiro, estica-se todo e faz uma careta em antecipação às dores que o sofá lhe trará.