A lenta fila
November 12, 2017
A fila de carros avança como se não quisesse avançar. Talvez ficarem os carros parados fosse uma opção, pois retroceder é impossível. Todos com os pisca-alerta acesos a avisarem, num adeus em sílabas luminosas, que a fila é de uma despedida.
Os outros carros, que à fila não pertencem, desviam porque neles há pressa pela chegada - e a despedida definitiva é lenta para prolongar a última partida.
Cerca de dez carros formam o comboio, corpo único a espalhar pelas ruas a voz do luto; corpo habitado pela alma do morto e que se arrasta pelo asfalto dizendo aos homens que todas as certezas da ciência não conseguem enfrentar a certeza única.
Esse corpo de vida efêmera, esse corpo nascido e criado em razão da despedida, aproveita a lentidão com que se move para dizer ainda mais. A alma do morto que o habita diz que todos os seus passos jamais dados cabem inteiros num esquife selado; fala que toda a sua religiosidade é agora um terço enrolado em seu punho imóvel.
Esse comboio moroso mostra a estagnação perene do tempo na supressão dos verões, invernos, outonos e no definhamento das primaveras nas flores que fenecem dentro do primeiro carro da fila.
E a sua voz do luto conta a derrota da esperança, lembra aos homens que as nuvens podem ter ou não pressa em cobrir o céu da vida com a tempestade do fim - mas essas nuvens têm a paciência para cobri-lo e a certeza de que choverão.