Um canto na penumbra
October 9, 2017
Conforme a patroa caminha pela casa, a moça a acompanha dois passos atrás, na indecisão se continua a segui-la ou se espera a ordem para fazê-lo.
Vai ouvindo a descrição sobre cada um dos aposentos, e são tantos e largos que a voz da patroa vai ficando cada vez mais opaca, perdendo-se por entre as paredes, escondendo-se sob as mesas, cadeiras, esvaindo-se num vórtex ao ponto de, agora, tudo o que há é a boca da mulher se movendo - e ela nada escuta.
Somente quando a patroa para e a chama pelo nome é que ela volta a si, perdida dentro da maior casa que já viu.
Abaixa olhos e assente com a cabeça à pergunta “tá tudo bem?”. Os olhos da mulher sobre si têm um peso que a paralisa, e sua vontade é de se esconder em um dos vários cantos, que sobram pela casa.
“Vem que vou te mostrar o teu quarto”, diz a mulher.
Saem pela porta da cozinha, caminham por um corredor e, pelo simples fato de terem saído da casa, sente-se um pouco mais leve - até arrisca levantar a cabeça e olhar em redor.
Diante da porta do quarto, a patroa gira a maçaneta, dizendo-lhe em gesto que entre.
Uma cama colada à parede divide espaço com uma cadeira, um guarda-roupa de duas portas. O forro baixo e uma janela pequena criam a penumbra e o silêncio que a habita.
Antes de sair, a patroa lhe diz algo que ela não apreende, pois atenta aos detalhes do quarto: a parede descascada ao pé da cama, uma porta do guarda-roupa empenada, o cheiro que emana nos ambientes onde pouco chega o sol.
Senta-se na cama, coloca a bolsa ao lado. Pela primeira vez no dia, sente-se bem.
Gosta do quarto, do ambiente que lhe é familiar, pois é pequeno e simples.
Prefere isso à opulência de aposentos que há na casa.
Em seu minúsculo quarto, pode ficar à vontade com seus sentimentos - eles têm apenas um guarda-roupa com uma porta empenada para tentarem se esconder.