O mundo é hoje
March 13, 2017
Aproxima-se do canto sob a marquise porque é um espaço vazio e ele procurava por um lugar.
Estica-se ao largo, o corpo rente à parede, um par de tênis velho serve de apoio à cabeça.
Queria um canto - precisava de um canto e nada mais - para deitar o cansaço antigo de seu corpo jovem, um cansaço etílico a bambear-lhe os membros e lhe amargar a boca; um canto onde pudesse tornar noite a manhã, que as pernas apressadas dos homens, que a gula por asfalto dos carros tornam o mundo um vale de correria.
O homem nada ouve, as pálpebras vacilam em incertezas de vigília, os olhos rodam dentro das órbitas um ébrio baile de globos vermelhos. Grossa, a língua encharca-se de palavras plenas de sílabas embaralhadas, que o homem descarrega para ninguém.
Vira-se de lado, ajeita os tênis no rosto, encolhe-se: a proteção nada mais é do que um ajuntamento de membros ao tronco, envoltos - tronco e membros - por farrapos, a se revezarem na casualidade de alheias benevolências.
O sol caminha sobre a marquise, ameaçando sapatear sobre o homem pegadas de calor. Trisca-lhe as pernas, mas só lhe atinge os joelhos. As mãos sobre o rosto isolam porcamente a claridade - e não tentariam ser mais competentes nem mesmo se os raios a elas chegassem.
O homem já não balbucia coisa alguma, o torpor espalhou-se pelo seu corpo como erva-daninha.
Há tantos pés passando-lhe a centímetros do rosto, tanto barulho gritando-lhe urgências aos ouvidos. E o homem, imerso na ausência dos que habitam o outro lado do muro, amaina-se envolto no silêncio a dar voz à miséria.
O homem tem já um canto para ouvir em paz os estertores do fim do mundo - ainda que seja simplesmente do seu mundo.